sexta-feira, 2 de setembro de 2016

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A Carminho tinha nas mangas uma faixa da mesma cor que o meu verniz. Na maca, o rolo de papel protetor de senhoras a serem depiladas tinha a cor verde-água. Verde Água era aquele blogue. No último setembro houve coisas assim:
Confissão
Está bem, sim senhores, vamos lá:
Eu, bloguer me confesso, este espaço virtual é todo ele escrito pelo alter-ego, aquele gajo que não se contenta, que quer mais e mais e mais. Eu, a mulher, pouco crio aqui, vencida que sou pelo dito.
Percebeste?!
É realmente difícil perceber se é a vida que toma contornos despropositados ou sou eu que ando à deriva. Sem propósitos, portanto.
A boa notícia será porventura esta: não é absolutamente necessário perceber nada do que se passa na minha cabeça.
Arrumações
Tenho um amigo. Não chamo amigo a qualquer um, se calhar este até nem sabe que o é tanto assim, mas considero-o meu amigo porque já deu mostras disso algumas vezes.
Um dia passou na rua e olhando de relance para dentro da loja viu-me de costas debruçada sobre o balcão e olhando sem pestanejar numa determinada direção. Entrou e diz-me que havia resolvido parar para me dizer que eu parecia o Gabriel Pensador.
O que eu mirava com tanto afinco era a prateleira das ceras. Os novos fascos não iam caber no sítio do costume, o que significava que ia ter de fazer uma série de mudanças. Então fiz menção de lhe explicar o motivo. Ele, apesar de ser meu amigo, não lhe apetecia ouvir-me. Fez-me sabê-lo mas lá se deteve um poucochinho de tempo e eu desbobinei.
Agora pouco mais resta para escrever. Só falta dizer que compreendo que nem sempre nos apeteça ouvir problemas que parecem tão minúsculos quando colocados diante dos nossos. E acrescento, já agora, que dói um bocadinho menos perceber a sinceridade das pessoas. Comigo é assim.
Maçã ferrosa
Uma cliente do meu colega comprou-lhe cavilhas para espetar numa maçã, diz que é bom para criar ferro, faz bem à saúde, à anemia mais concretamente.
Vai daí, pergunto eu, do meu pedestal:
- Então e depois a mulher come a maçã ou chupa o prego?
Aflição
Escrever é aflitivo.
Hoje despi o casaco mas as pulseiras ficaram presas nas dobras das mangas.
É uma aflição escrever (agora está a ser) porque eu queria escrever comicamente para a gente se rir, descrevendo a verdadeira saga que é as mangas dum casaco ficarem presas em meia dúzia de pulseiras, ficar ali com as mãos escondidas, como que enclausuradas num pedaço de malha fina que por as pulseiras terem ficado lá enroladas não me consigo libertar, sendo que as mãos são o principal instrumento para a libertação... E não consigo ter piada absolutamente nenhuma. Bolas.
Substâncias
Estou convencida que o trazodone me faz falar. É como um dreno, aquilo. Tenho impurezas e a substância fá-las sair. Sai tudo o que não presta, frustração e raiva. Falo, digo parvoíces, algumas frases saem em rajada. Pode ser que faça bem este não-acumular de coisinhas.
A cafeína é outra. Mas essa é mais tipo mola impulsionadora, põe-me a rir (leia-se cacarejar) e faz-me saber que a vida é bela. Podia dizer que me faz ver a beleza da vida. Mas não. Faz-me saber. É diferente. Como se a cabeça se me abrisse para receber essa informação. A vida é sempre bela, eu é que não sei isso em todos os momentos.
Estou asténica e enérgica. Não em simultâneo, claro está, mas saltito entre um e outro estado há horas. Até estou um tudo-nada tonta.
Hum...
Esteve aqui um senhor bem-parecido e aprumadinho. Pediu-me um serviço e eu fiz. Ficou satisfeito, pagou e saiu.
Este post fica só assim para o leitor imaginar o que lhe aprouver. Ainda estou na onda de mistério (ver post anterior).
Não é uma maravilha esta interação entre nós? Eu dou o lamiré e o leitor desenvolve com a sua própria criatividade...
Conversa
Ela podia ter-me perguntado quais são os meus sonhos ou o que domino melhor. Só para a gente passar o tempo entretidas. Mas não. Podia ter perguntado eu, sei disso. Só por dizer que agora ando a ver se aprendo a não fazer perguntas.
Rebaldaria
Há sempre uma maneira de ridicularizar tudo e mais alguma coisa. Diz que as lojas de venda de ouro em segunda mão promovem o roubo. Usando a mesma bitola, a Feira da Ladra promove o roubo e a venda clandestina. Transforma os vendedores/compradores em cooperantes de graves crimes, é o que é. Mas é também a Feria da Ladra, esse nicho de sensações permissivamente ilícitas.
Comunicado
Quando começo a escrever o abstrato, ou por outra, o que ninguém quer saber:
«São 23:26, acabei agora mesmo de lavar duas frigideiras muito engorduradas e tenho as mãos a escaldar porque a água estava demasiado quente.»
É porque o que anda cá dentro dói que se farta mas não pode ser escrito sob pena de tomar uma forma física qualquer que me chicoteie ainda mais.
Eu sei que é assim, mas o leitor é capaz de não ter este conhecimento. Por isso o comunicado presente.



Hoje estou mais nostálgica do que grafómana.



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