quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Seis

Há cerca de seis anos tive o primeiro ataque de pânico da minha vida, apontava números à mão que eram parte dum número de telefone para onde eu ia ligar, havia toda uma série de pressões por sobre mim, que durante anos e anos aguentei, calada, mas, não as aguentando mais, o ataque deu-se e a minha vida desmoronou. O que senti foi uma espécie de desmaio consciente, a porra é essa, a consciência do que está a acontecer, bem como a incapacidade para ser ou fazer coisas, lembro-me por exemplo de não ter força para segurar a mala, para andar, para falar, de gritar e chorar descontrolada e/mas conscientemente. A porra é essa, a consciência. Porque eu sabia que estava a fazer 'figuras', porque o imperativo era (continuar a) anular-me, (continuar a) calar-me e (continuar a) agir diferentemente 'daquilo', mas não conseguia. Foi assim que descobri que o 'não consigo' é coisa para afinal de contas existir. Aborrece-me sobremodo este 'não conseguir' quando realmente 'não consigo'. Mesmo. Mas não consigo. Mesmo. Mas o tempo passou. Nos dias que se seguiram, incrivelmente, continuei a viver com os costumes de sempre, mas somente por fora, por dentro encontrava-me mal-amanhada e desgovernada. Aguentei dois meses nesta situação, em pânico, a querer morrer mais que tudo, sem que a ideia de ter filhos, marido e casa me interessassem para nada, tampouco flores, passarinhos, nuvens, lagos, sol me ajudavam a ultrapassar esta agonia. Ninguém me interessava, nada me interessava, e eu sabia disso, a porra da consciência ajudava-me a não me esquecer. Não havia alegria ou luz de espécie nenhuma. A ideia do suicídio não me abandonava e eu sei, sei, que me enforcaria no armazém se não me tivesse disposto a buscar ajuda clínica, lá está a puta da consciência, muito embora aqui se apresentasse benfazeja, impulsionando-me para a decisão que me levaria a percorrer um caminho que prometia ser bom. Tem sido um caminho verdadeiramente bom, mas sinuoso, há seis anos que oscilo entre a astenia, incapacitante e que ninguém perdoa, e a tristeza mórbida, que ninguém compreende e aceita como sendo a minha natureza, o que me obriga a atingir um estado onde aparento 'normalidade'. Mas o tempo vai passando. Fui então aprendendo a controlar os meus achaques, que são cada vez mais espaçados entre si, o que acontece é que vou calcando um e outro, amordaço-me, encolho-me, estrebuchando principalmente quando me encontro sozinha, raramente quando me encontro rodeada de pessoas. O fulcro da minha preocupação é ocultar das gentes os meus ataques de pânico porque me envergonho de os ter, e não me venham dizer que há muita gente que tem e é normal, porque não é normal, eu ainda me sinto doente todos os dias e isso não é normal. Bom, passaram seis anos, combato a astenia e a tristeza com o ato de escrever. Sobretudo. Nalgumas vezes deixo transparecer essas emoções porque me é de todo impossível não as mostrar se na verdade escrevo um diário, ora acontece que neste diário também registo as coisas boas e, acontece também, que para as escrever tenho de as observar e enquanto as observo distraio-me das minhas tormentas todas. Conclusão: escrever ajuda-me a viver sem pensar em morrer, a não sucumbir, não enlouquecer. Devolve-me portanto uma parte de sanidade mental.
Na noite em que se completaram seis anos em que iniciaram estas dificuldades, sonhei com elevadores. Sonhar com elevadores é o meu sonho recorrente, o pesadelo maior de todos. Sonho que entro no espaço, geralmente é um espaço enorme, o que para mim é problemático, apinhado de gente, o que para mim é problemático, sou elevada no ar devido à deslocação do elevador, o que para mim é problemático, planar é-me penoso que se farta, há como que um descontrolo de mim, do meu corpo, sou uma espécie de balão, para ali ando, a flutuar no ar, à mercê. Para mim, este sonho é o que mais se aproxima do pesadelo, apresenta-se de vez em quando, mudando apenas as pessoas que estão dentro do elevador, no mais assemelham-se uns e outros, e há muito tempo que não sonhava desta maneira. Vá-se lá saber porque o fui buscar precisamente na noite deste dia... Subconsciente a atuar...? Não sei.
Se alguém ler este post até ao fim, por favor, não se vá embora com a ideia de não mais voltar, não por eu ter ataques de pânico e ser uma daquelas pessoas com quem não se sabe lidar, ai que ela vai desmaiar, ai que ela vai gritar, ai que ela vai chorar, ai que ela vai-se matar. Tampouco esperem que eu saiba lidar com vocês, porque não sei.

2 comentários:

  1. Mas por não devem voltar?
    Eu li tudo e volto sempre.
    è tão normal e, julgo, todos nós temos situações semelhantes, só que nem todos reagem da mesma forma.

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  2. Não é que não devam, Manuel, eu não quero é que se vão embora pelos motivos que descrevi no post.

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