segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

No átrio

Então, ora essa, é para ouvir o piano que aqui venho. É raríssimo sentir-me bem, mas venho, debaixo dessa loucura que é gostar de sofrer.
Subo a escadaria e pouso a mala no muro de pedra para procurar as horas que o meu telemóvel diz que são. Não posso atrasar-me nem dois minutos que sejam. Cá em baixo está um casal idoso que me mira interessadamente. Calhando cuidam que vou disparar a arma de fogo, lançar a granada, carregar no botão que aciona a bomba. É que pousei a mala no muro e remexo lá dentro, é preciso cuidado... Fico satisfeita, imaginando que tenho um ar circunspeto, de caso sério, como se dependesse de... Não sei. Tenho uma cara de caso, pronto. E sério. Fico importante. Sinto-me também importante mas, sobretudo, fico. Sou o que eu quiser, cá por dentro, ora essa.
Desço. Sento-me no frio banco de pedra. O casal mira-me novamente, desta feita estamos ao mesmo nível. Escrevo. E eles atentos aos meus gestos. Pouco depois passa-lhes aquilo do interesse, seja lá o que for que lhes chamou a atenção em mim, esfuma-se. Oh. Mas houve um tempo em que estavam ocupadíssimos com a minha presença e gestos. E eu cá por dentro toda importante.

Sem comentários:

Enviar um comentário