domingo, 4 de julho de 2021

Diário de uma vacinada

A recepcionista disse-me que tenho o mesmo nome que ela, mostrou-me até o cartão que traz pendurado no pescoço. Achei-a um amor. Deram-me uma folha com espaços a preencher e uma placa algo rígida para confortar a escrita. Que amor, quem se lembrou de tal pormenor, mas oh que amor. Enchi o papel num instante e lembrei-me dos testes escolares, era rápida, eu. O chato é que não podia sair logo da sala e ali ficava uma Gina em pulgas por dentro e nada se vendo por fora. Caraças, era uma situação mesmo embaraçosa, tudo a rabiscar respostas e eu ali, olhando o quadro, depois a professora, depois um colega, depois os gizes, depois o caixote do lixo. É que nem desenhos podia fazer. Nada. Aconteceu também assim, isto já adulta, no exame do Código da Estrada. Porra, que suplício. Era ver toda a gente fitando a folha, alguns aparentando insegurança, receio. Sim, passei no teste. Mas, enquanto esperava que todos terminassem, ou que o tempo se esgotasse, lá estava eu, desocupada, no meio de pessoas ocupadas. Porra, porra. Mas a vacina. Então, às tantas percebi que se continuasse a escrever no caderno a pessoa encarregue daquela parte discorreria que eu ainda me encontrava preenchendo o dito formulário, por isso resolvi-me a parar a escrita diarista. E aconteceu que... na mouche! A pessoa encarregue veio logo ter comigo.
vaxzevira
O nome acima vi-o escrito algures no pavilhão. Notei também o placar que mostra os resultados dos jogos. É que aquilo ali, bem ou mal, queiram ou então não, é um pavilhão desportivo. O rico filhos jogou futsal ali dezenas de vezes. Marcou dezenas de golos. E agora, ao invés de ir ver o rico filho a jogar, pois que não, fui para uma pica no braço esquerdo.
«Vai levar a vacina no braço esquerdo. Tem alguma contra-indicação?»; «Sente-se bem?»; «Já teve Covid?»; «Está doente?»
Foram os chutes da funcionária do guiché. Desculpe se sob o ponto de vista profissional não a relaciono condignamente, minha senhora. Mas pronto, isto é só um blogue, fosse eu jornalista e. Foi uma piquinha, a pica. Fiquei a pensar se estaria a senhora enfermeira enganada, mas como rematou «pronto, já está despachadinha», percebi que percebera bem. Depois houve recobro. E eu, atónita cá por dentro:
Quê, meia hora?! A sério que tenho que ficar nesta masmorra durante meia hora?! Por conta de quê?! Sou saudável, porra!
Mas fiquei. Isto tem um nome deveras longe do glamour: encarneirar. Saí cinco minutos antes, o espaço estava cheio de gente, ninguém daria pelo meu sumiço. Segui caminho até casa assim meio que zonza mas nunca chegarei a saber se ia zonza da pedrada da droga que já me corria nas veias ou então do burburinho constante que ouvi durante mais de uma hora. No dia seguinte perguntei ao Zé se ele achava que a primeira dose era uma piquinha por conter pouco produto e se achava que por isso é que tanto se fala de as segundas doses serem do caraças em termos de efeitos secundários, se seria como que a preparar o organismo e tal e tal. Ele respondeu que às tantas até é ao contrário, uma vez que uma pequena dose pode não surtir qualquer efeito. Achei o argumento válido mas não me mostrei concordata, logo veria. E vi, ah pois vi, mas já lá vou. No dia seguinte o braço estava bem dorido mas não me fiz de esquisita e fui treinar. Nessa noite dormi mal pra caraças, o braço ainda me doía mais. Se calhar não devia ter feito a minha vidinha normal, pensava eu, treinar e isso assim. No dia a seguir a essa noite mal dormida, a dor desapareceu completamente. Sério. Não mais. Nada. Seis dias depois senti uma comichão imensa em todo o antebraço. Nem me lembrando que podia ser coisa nascida da vacina, cocei-me sem reservas. Quando me olhei tinha essa zona toda vermelhona e empolada. Pus gelo e cremes e mais não sei o quê durante cinco ou seis dias. Passou. Passaram as quatro semanas de intervalo e toca de Gina Maria se dirigir ao mesmíssimo lugar. Preenchi um folha semelhante, assente numa placa semelhante. O rol de perguntas também se assemelhou. Descobri que não tinha comigo a caneta azul. Tinha as outras seis, mas faltava a consensual azul. Jamais me atreveria a preencher um formulário desta natureza em tons de verde ou de roxo. Não. Tampouco a vermelho. Ui, isso seria uma afronta. Pedi uma caneta à pessoa encarregue daquela parte, que me emprestou prontamente a que trazia consigo. Desta vez nem retirei o caderno de dentro da mala, já estava ensinada. Chegada a vez da pica, qual piquinha, qual quê. Porra, aquilo nunca mais acabava. Enquanto o líquido era introduzido, a senhora enfermeira ia advertindo... ou anunciando, ou lembrando, ou o caraças, sei lá: «pronto, a senhora já sabe que esta dose é um bocadinho mais forte, pode sentir» isto e aquilo e blás e mais blás, se eu sentisse essas coisas tomasse benurons para aplacar sintomas e tal e tal. Chegada a hora do recobro, tudo igual, menos no tempo de sair, desta vez fui obediente, havia pouca gente, não ia passar despercebida. Pensei que essas coisas não seriam para mim, qual quê, então uma pessoa está sempre em pé, sempre no ir. Só que não. Cerca de vinte e quatro horas depois chegaram os profetizados sintomas. Porra. Que remédio tive eu senão tomar benurons. E de um grama! Febre, dor nas articulações, dores na cabeça (uso plural porque era em dois pontos), pele ultra sensível, mal-estar, prostração. Vinte e quatro horas nisto, só abrandava mediante obediência à prescrição da senhora enfermeira. Ah, por junto o braço dorido, claro. Não, não fui treinar... E doravante abster-me-ei de me apregoar sempre em pé e sempre no ir. Afinal nem sou nada de especial, igual a todos. Até nisso encarneirei, oh porra. Este post tem muitas porras. Não vou contá-las, ora essa, este post tem também muitas palavras. Essas vou contá-las até aqui. São mil e sete (1007).

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