10:11
Vim de transporte público, o que até pode ser fantástico. E foi. Pior é ter-se acabado o caminho...
10:43
Estou desejando que chegue alguém para eu assumir a seguinte forma de egoísmo: focar a atenção nas questões doutra pessoa de modo a esquecer o que me atormenta.
11:04
O homem do gás pregou com todo o meu stock de alguidares e floreiras no chão. Ele chateou-se mas eu cá não, eu cá consegui sentir atempadamente que não valia a pena chatear-me.
11:38
Uma senhora queixou-se de falta de ar que a asma lhe provoca e do ar a mais que tem na carteira devido à escassez de numerário.
11:56
O cesto e o mini-tanque por obra do acaso, ou assim, caíram ao lado do Sô Ventura. 'Fui eu?' perguntou ele preocupado.
Não, Sô Ventura. É isto que é mesmo assim... Deixe estar, eu arrumo. Ele não fez caso e arrumou.
12:23
Devia distrair-me. Tenho de distrair-me, aliás.
Ontem, o passeio prolongou-se um pouco mais do descrito ontem.
A meio da rua começa o descampado. Ali não há casas, há hortas e uma fábrica que em tempos foi próspera. Digo foi porque não sei se continua a sê-lo.
Dentro do recinto que pertence à fábrica estava um cão preso, suponho que de guarda. Viu-me e permaneceu calado. Não ladrou como os outros. Não atentei nele, a não ser quando lhe vi uma tristeza no olhar de dar dó. Desisti das minhas fotografias e chamei-o, incentivei-o a vir ter comigo. Tudo em vão, não consegui mais que um rodar de pescoço que captei com um clique.
Pobrezinho, queria sair dali. Queria a liberdade, justamente. Depressa percebeu que eu não estava ali para o libertar. Aquele olhar transmitia um desengano e uma tristeza tal que, pareceu-me, desistira da vida.
Poucas coisas serão tão boas e tão belas como a liberdade.
12:41
Estou aqui estou ali mas conto voltar assim que se me acabe o tempo.
14:40
Custo a suster os pés fincados no chão, tal a força do vento. Não chove nem o raio a ver se isto pára!
16:26
Entrou um senhor. De notar serão talvez os óculos escuros. Notou-se porque não está sol.
Queria cola-vedante. Tenho cola, não tenho vedante e depois de inspecionar descobri que tenho cola-vedante.
16:31
Coitadas das pessoas na e da Madeira. As vivas, claro. As mortas não são coitadas porque já não são nada para além disso.
16:32
O Pedro Abrunhosa tem um novo disco.
Sim, é verdade, e também caiu noutro dia em directo nos Ídolos e deixou escapar um 'foda-se!' e o João Manzarra saltou graciosamente direito a ele e já agora acrescento que acho que se safaram ambos muito bem, dada a circunstância. Eu não teria feito melhor figura, a cair e a praguejar ou a saltar graciosamente. Não teria, não.
Mas dizia eu, o Pedro Abrunhosa tem um novo disco. Está a dar na radio. Acho que não é grande coisa, o disco. Não sei, digo eu. Continue a cair, senhor Pedro Abrunhosa. É muito mais criativo assim e impulsiona outros a sê-lo também.
17:12
Agora entrou um galifão de t-shirt justinha evidenciando o peito inchado.
Esta gente anda toda doida! Mas está algum calor?!
17:28
Tirar os restos de verniz das unhas devia fazer bem a qualquer coisa mas não faz.
17:41
Eu tenho tiques. Muitos. Mas aquele de assoprar pelo nariz como tem o senhor que acabou de sair daqui, esse tique não tenho eu. É assim como se estivesse a assoar-se mas sem mãos e sem lenço, ou o dos mocados da cocaína, esse mesmo. Esse não tenho.
18:42
As pessoas irritam-me e fascinam-me. É uma coisa incrível, esta.
A escrita é um processo solitário. Pergunto-me se não devia acabar com isto de escrever. Escrever transforma-me em algo não necessariamente bom e coloca-me num mundo à parte, estou sempre sozinha. A ideia é partilhar mas estou sempre sozinha.
As pessoas irritam-me, vivo num mundo à parte delas e possuo um interesse desmesurado por tudo isso.
19:01
Será que o motorista consegue ouvir as notícias? Com este burburinho parece-me que não. Por que raio terá ele o radio ligado se não se ouve?
Há crianças aqui aos montes. Que me lembre nunca tinha viajado numa camioneta que tivesse tanto miúdo. Vinham ao despique a ver quem sabia mais de contas de somar números redondos ao milhar.
Cheira a pó de talco. Hum...
19:32
O senhor doutor ficou chocado com a minha nódoa negra. Quando soube que quem a provocou, de certo modo, foi o meu marido, o senhor doutor ficou doente. Foi o que ele disse...
...
Daqui para a frente, é por pouco que o meu dia não merece ser revelado. Tenho uma vida cheia de coisas tão diferentes que me sinto um bocado embaraçada. Chego sempre muito tarde, janto a altas horas da noite e depois venho aqui escrever umas coisas. A ideia é partilhar mas eu estou sempre sozinha porque as pessoas me irritam. É capaz de ser isso.