sábado, 17 de setembro de 2022

O tempo que há

Há cinco anos que não visito o lugar da musa de segunda a sexta. 
Saudades?
Sim e não.
Sim porque me distraía ir dar conta de como ia a vidinha das septuagenárias, do homem alto que sempre estava lendo o jornal, do homem germofóbico (pelo modo como limpava as mãos  e a boca e também pelo elevado número de lenços que usava para o fazer, só podia sê-lo), da menina que servia os cafés, do moço que servia os maus cafés que tirava, da livreira mais simpática, da livreira menos simpática, do homem que não se parecia com nada nem com ninguém, da igual, da Franzineide, da mulher do tablet. E não me lembro de mais ninguém. Que será feito dessa gente? Depois havia o cheiro dos livros à mistura com o do café. Os livros, ou as bibliotecas, vá, sempre me foram muito aprazíveis. Nos livros há história e sabedoria. E isso é tudo. O que é que há mais? Só se for café. Quem quer que se tenha lembrado de juntar estas duas partes foi génio. Café é ímpeto sem dor, salto para a luz, nervo dos bons. 
Não porque eram tempos absurdos, sentia uma tristeza enorme, um peso que não podia largar, uma sina, um desgaste e, lá está, usava o lugar da musa para me distrair. Era um gatilho. Actualmente fala-se muito em usar gatilhos para pular estados e sentimentos, quando negativos, não é? Então pronto, era o meu gatilho. Um deles. Porém, por vezes, coexistia o inverso, chegava lá e ficava tão triste que queria era morrer. Então: escrevia. Escrever salvou-me e ainda me salva. Tenho muito poucas verdades que me sejam tão verdadeiras como esta.

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