segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Nunca tinha pensado que a massa de um bolo estaria segura num forno quentinho. Mas, e, está. Estou contente de andar metida nesta releitura.

«Como é que eu chegara àquele ponto? Não era capaz de consolar o meu marido, de pôr a minha filha na ordem, nem de ajudar nenhum dos meus pais. Não era sequer capaz de decidir se era correcto deitar fora um par de ténis. Sentei-me na cama e senti um terrível nó na garganta. Então, no preciso momento em que pensei que ia desatar a chorar, lembrei-me de que tinha na despensa um enorme saco de pistácios. Não sei o que me levou a pensar neles. Comprara-os para fazer um bolo, cuja receita vira no Gourmet. Levantei-me como uma sonâmbula, deixando para trás lençóis e ténis. Tratava deles logo que metesse o bolo no forno.
O meu pai gostava de coisas exóticas. Havia de gostar do bolo. Era um receita iraniana. Peneirava-se a farinha juntamente com uma colher de sopa de cardamomo, o qual iria dar ao bolo um gosto quase apimentado. Fiquei de pé na cozinha a ler a receita, como os pistácios a magoarem-me as pontas dos dedos. Depois de descascados, friccionei-os nas palmas das mãos até brilharem como um punhado de esmeraldas. Tinha de os triturar. Tinha de untar o papel vegetal e o fundo da forma. Foram as várias etapas, as regras claras e simples de fazer o bolo, que me acalmaram.
Logo que o meu bolo de vinte por trinta centímetros entrou em segurança no forno a duzentos graus, o telefone tocou. Perguntei a mim própria se a pessoa que me telefonava tinha, de algum modo, pressentido que devia esperar.»

Comam bolos!, Jeanne Ray (capítulo 3)

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