quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Passeio um bocado coiso

O passeio é ainda o mesmo mas é feito em horas diferentes na maioria dos dias. Não deixa de ser um passeio triste. «O passeio dos tristes», disse-me um dia alguém, adivinhando que é isso mesmo. Acho que sou eu que o transformo, já que estou sempre triste. Evito é dizê-lo, tanto para não chocar quem lê o blogue, como para não pensar muito nisso. Não me apetece fazer bolos. Não me apetece comprar coisas para fazer bolos. Não me apetece fazer nenhuma das minhas coisas boas, excepto escrever. Falta de apeteite para escrever é algo que muito raramente se instala. O íntimo é quase sempre feio, é lá que estão as verdades ásperas, e essas nunca são bonitas. Há umas semanas publiquei um post cujo teor era engraçado e feliz. Rematei o texto assim: «Depois Gina pôs-se triste, que esse é o seu à-vontade, é a melhor maneira de contender com o mundo.» Retive a frase para não ser feia, sabendo-o, e deixei então que apenas o lado fixe, tanto da questão como de mim, fosse mostrado. «Os suicidas são movidos, também, pelo romantismo que há na vingança para com os mais presentes.» É feio, também, e andava-me aqui aos rebolões há que tempos, no íntimo. Por ora tem andado o sol a brilhar em Lisboa, mas há dias nem por isso. Num desses dias vi um arco-íris todo catita, pouco ou nada abaulado, quase recto. Parecia o maior de sempre, das aparições a que já assisti. Presumo que o tamanho do arco tenha a ver com a distância a que está a luz da humidade. Tenho muitos rascunhos (tenho sempre, sou grafómana) mas não me apetece publicá-los. Não quero usar parágrafos, gosto de preencher os espaços todos com palavras. O sentimento é mais ou menos o mesmo que tenho para com as vírgulas, não sei onde as hei-de pôr, não sei onde usar um parágrafo. Há pouco, enquanto esperava ser atendida no Banco, ouvi uma pergunta que não me era dirigida, nem sei contar em que contexto apareceu: «quem escreveu isto aqui?» Imaginei-me aos pulos de contentamento e a gritar «fui eu! fui eu!» Sou mulher para escrever em muitos 'aquis' diferentes, portanto podia ter sido eu. Quando comecei a escrever num blogue lembro-me de pensar que um dia – que não tardaria, estava eu certa – os assuntos se me acabariam. Depois percebi que a vida se encarregava de mos mostrar. Depois percebi que, eu não sendo esquisita, os assuntos apareceriam independentemente disto ou daquilo, de tudo. Depois percebi que se me deixasse ficar onde estava, não completando o mundo, nada disso, mas observando-o, os assuntos jamais acabariam. Sentei-me no banco hater um bocadinho. Em tempos perguntei-me «quem escreveu isto aqui?» - que era o 'hater' escrito no banco, daí o nome que lhe dei – eram letras grandes e vermelhas. Há anos que sei da existência de um outro 'hater', em pequenino e preto, numa parte de parede de um prédio sito numa das colinas de Lisboa. Ao lado desse 'hater' consta uma frase, 'olhem o céu', a lilás, presumivelmente obra de outro artista. Entretanto, recentemente, alguém assinou exactamente por cima disso tudo, presumivelmente obra de um outro artista, o que acabou por esconder os outros dois dizeres. As árvores da avenida já têm folhinhas. Apareceram-lhes em janeiro. É todos os anos assim: janeiro, folhinhas, aliás, ténue folhagem em algumas árvores da avenida. Quem escreveu isto aqui? Ah ah.

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