(Sempre fui mais de escrever do que de ler, de preferir escrever, de ler para esquecer as minhas questões, que às vezes estou cansada que só eu sei e a leitura descansa-me a cabeça. Mas ainda não. Este post trata da minha parte de pessoa leitora, o que me faz sentir assim como que desconectada, vá, por continuar sem sê-lo. Mas vamos lá então.)
Gosto de tutear o leitor, muito embora atualmente não o faça, mas houve uma altura da minha vida de bloguer em que escolhia amiúde esse estilo, e já gostava quando li um livro de Italo Calvino chamado 'Se Numa Noite de Inverno um Viajante' onde o autor se exprimia desse modo. Fiquei siderada, afinal um daqueles autores mundialmente famosos tinha editado uma verdadeira obra literária nesse estilo, oh céus, e o que eu gostava de me pôr a tratar o leitor por tu, assim como que falando para uma só pessoa... Quem me conhece sabe que não sou adepta de multidões, que as pessoas me amedrontam mais do que quero ou dou a ver, crendo eu, por isso, que é daí que nasce esta tendência para me dedicar a uma só pessoa. Entretanto deixei-me disso porque não se percebia nada do que eu escrevia... Bom, um pouco como atualmente, vá, mas pior, muito pior. Afinal de contas ninguém gosta de ser confrontado, e tutear o leitor gera uma escrita provocativa, mesmo não se querendo... Não é... É...
Para terminar deixo os meus registos relacionados com o livro supracitado, sendo que os trechos em itálico não fui eu que disse ou escrevi, mas sim Italo Calvino.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Tutear
Enquanto dava uma voltinha pela banca duma livraria folheei um livro (não fixei o título ou sequer o autor, infelizmente) escrito na segunda pessoa. Falava diretamente para o leitor – tu senta-te a ler, tu vais ver que acontece tal coisa, tu agora estás a pensar isto, tu vais sentir aquilo.
Em tempos tive a mania de escrever assim, vivia a ilusão que estava a conversar animadamente e cheia de atenções, o clima que eu criava ficava ainda mais intimista. Mas o tempo, essa existência que desfaz ilusões e altera ideias, mostrou-me que as pessoas se amedrontam com o interesse e a atenção.
Mas, seja lá como for, a ver se compro o livro. Continuo a gostar da ideia de tratar o leitor por tu, ou de escrever como se o estivesse a fazer para uma única pessoa. E tenho para mim que hei-de gostar de ler o tal livro.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Coincidência literária
Na última página do livro que acabei de ler - Mrs. Dalloway, Virgina Woolf – está uma nota da editora encimada pela seguinte frase:
«Um clássico é um livro que nunca acaba de dizer o que tem para dizer.» Italo Calvino
Curiosamente, o escritor Italo Calvino é o autor do livro de que falei há tempos e referi como sendo um livro escrito dentro do 'tu cá, tu lá'.
Entretanto, há umas semanas, comprei esse mesmo livro. Não o vou ler para já, que tenho outros à espera há mais tempo, mas deixo aqui um cheirinho do dito.
«Estás prestes a começar a ler o novo romance Se numa noite de inverno um viajante de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa que o mundo que te rodeia se esfume até se tornar indistinto. A porta é melhor que a feches; a televisão está sempre ligada. Di-lo já, aos outros: “Não, não quero ver televisão!” Levanta a voz, se não te ouvem: “Estou a ler! Não quero ser incomodado!” Talvez não te tenham ouvido, com todo aquele barulho; Fala mais alto, grita: “Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!” Ou então se não queres dizer não digas; esperemos que te deixem em paz. (…)
Não que estejas à espera de alguma coisa de especial deste livro em especial. És um daqueles que por princípio não espera mais nada de nada. Há tanta gente, mais jovem do que tu ou menos jovem, que vive na expetativa de experiências extraordinárias; dos livros, das pessoas, das viagens, dos acontecimentos, daquilo que o dia de amanhã lhes reserva. Tu não. Tu sabes que o melhor que se pode esperar é evitar o pior. Esta é a conclusão a que chegaste, na vida pessoal tal como nas questões gerais e até mesmo mundiais. E com os livros? Ora, justamente porque o excluíste em todos os outros campos, achas que é justo concederes-te ainda este prazer juvenil da expetativa num setor bem circunscrito como é o dos livros, onde as coisas podem correr mal ou correr bem, mas o risco de dececão não é grave.»
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Hoje é sábado
Fui à feira de Loures. Achei curioso haver uma banca de livros a dois euros cada. Barata, a feira. Comprei um: 'A Oficina dos Escritores' de Francis Amalif. Aprecio o tema, é uma compilação de frases e aforismos de 125 escritores célebres, contemporâneos, ou então não, e no fim tem mais de uma centena de ideias para desenvolver escrevendo. Curti algumas, desejei explaná-las. Não sei se assim farei, no entanto. Não me dou nada bem com 'ordens' por via doutrem.
Fica aqui uma curiosidade do escritor... Italo Calvino. Incrível, não? Mas este homem persegue-me?!
Vamos lá à curiosidade, então:
«A arte de escrever histórias consiste em conseguir retirar do pouco que se compreendeu da vida tudo o resto; porém, acabada a página, a vida renova-se e damo-nos conta de que o que sabíamos era muito pouco.»
quarta-feira, 21 de março de 2012
Leitura(s)
Não tenho coragem de dizer que não gosto ou gostei deste ou daquele livro. Reverencio tanto (tanto, tanto, tanto) a arte de escrever... Mas a verdade é que não estou a gostar do livro 'Se numa noite de inverno um viajante' de Italo Calvino. Ler está a ser um sacrifício. O motivo é simples: é demasiado complexo, ora estamos numa história ora noutra, o autor pulula ao sabor da sua criatividade, compreendo, isso pode ter um componente de génio, não duvido, mas desorienta-me. Não desisto da leitura porque sou teimosa, mas também porque sou curiosa e quero saber onde vai desembocar a história.
Não obstante, agradam-me alguns trechos, como o seguinte:
«O professor está ali à sua secretária; no cone da luz de um candeeiro de mesa sobressaem as suas mãos suspensas ou pousadas ao de leve no volume fechado, como que numa carícia triste.
– Ler, - diz ele,- é sempre isto: está uma coisa à nossa frente, uma coisa feita de escrita, um objeto sólido, material, que não se pode mudar, e através dessa coisa que faz parte do mundo imaterial, invisível, porque apenas é pensável, imaginável, ou porque existiu e já não existe, passado, perdido, inalcançável no mundo dos mortos...
– … Ou que não está presente porque não existe ainda qualquer coisa de desejado, de temido, de possível ou impossível,- diz Ludmilla,- ler é ir contra qualquer coisa que vai ser e que ainda ninguém sabe o que será... (…) O livro que agora desejarias ler é um romance em que se sinta a história que aparece, como um trovão ainda confuso, a história histórica juntamente com o destino das pessoas, um romance que dê a sensação de se estar a viver um turbilhão, que ainda não tem nome, não tomou forma...»
«Estou a contar demasiadas histórias à volta desta porque aquilo que quero é que em volta da narrativa se sinta uma saturação de outras histórias que poderei contar e que talvez contarei ou que talvez tenha já contado noutra ocasião, um espaço cheio de histórias que quem sabe não são outra coisa senão o tempo da minha vida, onde me possa mover em todas as direções como no espaço encontrando sempre histórias que para contar seria preciso primeiro contar outras, de tal modo que partindo de um qualquer momento ou lugar se encontra a mesma densidade de material para contar. Melhor, olhando perspetivadamente tudo aquilo que deixo fora da narrativa principal, vejo como que uma floresta que se estende por todos os lados e não deixa passar a luz tão densa que é, enfim, um material muito mais rico do que aquele que escolhi para colocar em primeiro plano desta vez, de forma que não está excluído que quem segue a minha narrativa se sinta pouco defraudado vendo que a corrente se perde em tantos regatos e que dos factos essenciais lhe chegam só os últimos ecos e reflexos, mas também não está excluído que precisamente este seja o efeito que me propunha atingir pondo-me a contar, ou digamos um expediente da arte de contar que estou a procurar adotar, uma norma de descrição que consiste em manter-me um pouco abaixo das possibilidades de contar de que disponho.
O que depois se verá é o sinal de uma verdadeira riqueza sólida e profusa, no sentido em que eu, se por hipótese tivesse só uma história para contar, andaria descoordenadamente à volta dessa história e acabaria por queimá-la com a mania de lhe dar o devido valor, enquanto que tendo de parte um depósito praticamente ilimitado de substância narrável estou em posição de manejá-la com distanciação e concedendo-me o luxo de me alongar em episódios secundários e em pormenores insignificantes.»
sexta-feira, 30 de março de 2012
Casaquinho obediente
Não é tão gracioso um casaquinho de malha leve repousar muito quieto em cima do peito do manequim daquela loja ali? Uma fileira de botões verdes em cima da mama esquerda, outra fileira de casas verdes em cima da mama direita... Topezinho por baixo exibindo pregas amarelas perpendiculares às fileiras verdes... Pormenores coloridos mas imóveis, meros objetos sem vontade, não há brisa que desfaça a pose, é só um manequim dentro duma montra. Ai se fosse na rua, como esvoaçariam todos estes pedacinhos de roupa...
É melhor parar por aqui, há cavalheiros que deitam o olho ao blogue, ainda me vão julgar sensual, e disso não sei nada. Dum modo geral os homens temem as mulheres destemidas, em particular as que escrevem despudoradamente. (Tenho a mania que sou uma dessas.)
«Estás a ler ou a fantasiar? As confabulações de um grafómano exercem assim tantas sugestões sobre ti?»
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Terminus
Terminei de ler o livro 'Se numa noite de inverno um viajante' de Italo Calvino. A meio da leitura deixei um post onde referia um certo aborrecimento. Entretanto esse aborrecimento desvaneceu-se, felizmente. Comecei a ficar empolgada com a(s) história(s), entusiasmada com o enredo que se formou, desejosa de conhecer o final. Terminei de ler o livro. Adorei lê-lo.
«(Começar. Foste tu que o disseste, Leitora. Mas, como fixar o momento exato em que começa uma história? Tudo começou sempre antes, a primeira linha da primeira página de todos os romances remete para algo que já aconteceu fora do livro. Ou a verdadeira história é a que começa dez ou cem páginas mais à frente e tudo aquilo que vem antes é apenas o prólogo. As vidas dos indivíduos da espécie humana formam um entrecho contínuo, no qual cada tentativa de isolar um pedaço vivido que tenha um sentido separado do resto – por exemplo, o encontro de duas pessoas que se tornará decisivo para ambas – deve ter em conta que cada um dos dois leva consigo um tecido de factos, ambientes, outras pessoas, e que do encontro derivarão por seu turno outras histórias que se irão separar da sua história comum).»
Casaquinho obediente
ResponderEliminar"Não é tão gracioso um casaquinho de malha leve repousar muito quieto em cima do peito do manequim daquela loja ali? Uma fileira de botões verdes em cima da mama esquerda, outra fileira de casas verdes em cima da mama direita... Topezinho por baixo exibindo pregas amarelas perpendiculares às fileiras verdes... Pormenores coloridos mas imóveis, meros objetos sem vontade, não há brisa que desfaça a pose, é só um manequim dentro duma montra. Ai se fosse na rua, como esvoaçariam todos estes pedacinhos de roupa...
É melhor parar por aqui, há cavalheiros que deitam o olho ao blogue, ainda me vão julgar sensual, e disso não sei nada. Dum modo geral os homens temem as mulheres destemidas, em particular as que escrevem despudoradamente. (Tenho a mania que sou uma dessas.)
«Estás a ler ou a fantasiar? As confabulações de um grafómano exercem assim tantas sugestões sobre ti?» "
Gostei muito de ler!
Bom fim-de-semana :-)
A minha essência está espelhada no texto, julgo. Julgo também que por isso tenhas gostado. Obrigada. Diz que não se deve agradecer nestes momentos mas eu sinto-me uma malcriadona se não o fizer. Bom fim de semana.
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