domingo, 6 de junho de 2021

Anexo

A casa da minha tia Diná tinha um anexo com uma cozinha alentejana que ela mandara fazer, embora já não morasse no Alentejo. Quando o meu primo morreu o anexo era bem recente e, como desde aí já pouco mais a vi, cá na minha memória o anexo está associado morte do meu primo. Também contenho na memória imagens do anexo, mas esbatidas, sei que tinha a chaminé mas não sei se se chegou a acender o lume. Numa visita em particular, a primeira depois da tragédia, vi a minha tia em pé, junto à mesa, faca na mão, uma casca de batata descendo para o alguidar, no rosto uma expressão desgostosa e irritada. Sim, irritada. Sempre estranhei este sentimento, parece que não combina com o sentimento de quem lhe morreu um filho, mas quem sou eu para saber destas coisas, ora essa. Mas sempre me fez espécie aquela irritação. E às vezes lembro-me. E agora calhou de escrever.
Antes desta desgraça ter acontecido, a minha tia tinha uma inquilina bem reinadia, contava anedotas aos pares e aos trios de cada vez, galhofa por entre e tal e tal, já que eram picantes. Essa inquilina vivia no sótão que era, a bem dizer, uma casa, mas em casinha, como há que admitir, afinal um sótão é feito de sobras e ali não era diferente. Lembro-me da escadaria para lhe aceder, ficava por fora da casa, via-se-lhe o tamanho, e era assim a modos que infinita. Esta inquilina frequentava a casa da minha tia, e tenho para mim que era sem pudor, ia lá ver a telenovela e ficava para o serão. E pronto, agora calhou de escrever isto.

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