A ti Leonarda foi morar para a casa onde vivi até aos seis anos. Não sei onde morava antes mas a casa que deixávamos deve ter-lhe calhado bem, afinal a Vila Nicolau era dela, assim ficava no que era seu. A minha vida tem dois marcos ocorridos pela mesma altura, a mudança de morada e a entrada na escola. Por coincidência, dez anos depois fui trabalhar numa pequena fábrica de costura que ficava num barracão junto às traseiras da Vila. O terreno onde estava o barracão era também pertença da ti Leonarda, que alugava o barracão à dona Ermelinda, a minha patroa. De vez em quando a ti Leonarda acedia ao barracão para cumprimentar a inquilina e as súbditas, às vezes até ficava a ajudar, cortando pontas ou cosendo botões. Perguntava sempre pelos meus pais e pelo meu irmão, não só por cordialidade mas porque gostava de nós. Lembro que se vestia sempre de preto porque entretanto enviuvara, tinha uma voz grave e uns lábios grossos. Usava lenço...? Vejo-a de lenço preto a cobrir a cabeça mas posso estar a confundir com as minhas avós, que essas sim, sempre as conheci enlutadas até mais não. Um dia adentrei a casa da ti Leonarda e estaquei, admirada com o tamanho da sala onde dei os primeiros passos. Mas que coisa mais minorca... Caraças. Nunca mais me esqueci disto. A ti Leonarda fez logo este mesmíssimo reparo, claro, mas eu, na altura tão jovem, nunca me havia passado pela cabeça que esta diferença fosse acontecer. Foi tal que nunca mais esqueci.
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