segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Dias de uma grafómana

Dia 1, onze de Janeiro
Há um mês ou dois notei que estava na hora de tratar de cortar o cabelo e desde aí tenho vindo a fazer as minhas pesquisas e as minhas ponderações. Passo aqui e ali, olho de soslaio ou despudoradamente e concluo se quero entrar ou então não. Ando nesta faina porque quero experimentar novas caras e costumes.

Dia 2, doze de Janeiro
Passei hoje pelo salão que quero visitar. Ou experimentar. Fica numa rua escondida, o que me leva a considerar ser lugar de gente com vontade de ver gente. Está neste momento com obras de remodelação no prédio, há andaimes junto às portas, que são duas. Quando passei à primeira porta vi lá dentro uma boneca de rabo-de-cavalo no alto da cabeça, mas quando passei pela segunda é que vi que era uma jovem, sentada ao balcão, lidando com o telemóvel. Pensei abordá-la: «Ah, menina, pretendo»... O que pretendo e pâ pâ pâ. Não tive coragem. Portanto: olá, eu sou a Gina e tenho medo de entrar em lugares onde é preciso encetar conversa, até porque, depois e principalmente, tenho medo de encetar conversa.

Dia 3, treze de Janeiro

Dia 4, catorze de Janeiro
Ontem preenchi o cabeçalho mas apareceu um cliente e entretanto já não pude adiantar estes dias. Entretanto, hoje faz seis meses que cortei o cabelo. Sério. E o meu sonho era estar pelo menos seis meses sem o cortar. Na última visita ao cabeleireiro sofri um grande desbaste e não achei assim tanta piada quanto isso. Na altura até fiz post, não lamentando, mas confessando que nem gostava lá muito da minha aparência, contudo quiçá fosse falta de hábito e mais não sei o quê. Pronto, na verdade queria distanciar-me do desapontamento, por isso abordei o assunto pelo lado positivo. Tempos depois decidi que procuraria um cabeleireiro diferente, um salão diferente, um bairro diferente, um estilo diferente. Durante este tempo o cabelo cresceu imenso, pois claro, afinal passou meio ano, e acho que já vai dar para mudar de corte. É o que quero. Há muitos anos que o meu corte de cabelo anda à volta do bob, umas vezes mais bob que outras, bem sei, mas é sempre um bob, que é um corte caracterizado por ter as mechas laterais mais compridas do que as de trás. Ora andei eu nas minhas pesquisas Pinterest afora e tal e tal, e eis senão quando dou comigo num armazém de cortes para cabelo curto e médio-curto, onde as mechas se pavoneiam ao contrário: compridas na nuca, curtas nas laterais. Rah-ah! É isto que quero! Bom! Aliás: muito bom!
Durante o tempo em que me decidi a mudar de salão e

Dia 5, dezoito de Janeiro
Ainda há pouco lá passei, no tal cabeleireiro. Na última entrada terminei o texto abruptamente e, se bem me lembro, e lembro, ia escrever desses arredores. É um pacato bairro de Lisboa, ruas estreitas e de um só sentido na maioria, prédios de, no máximo, dois andares, mas também há vivendas com quintais bem tratados. Ao longo dos anos tenho visto esse bairro ser recauchutado, é comum obras neste ou naquele ponto e o certo é que há obras no prédio onde mora o dito salão. Antes de o ter elegido passei por várias outras ideias. Pensei, por exemplo, abordar o cabeleireiro que agora gere o salão onde antigamente eu ia, quando lá estava o Miguel, que foi o meu cabeleireiro durante uma boa meia dúzia de anos, só que depois perdi-lhe o rasto. Achei, na verdade continuo a achar, que o cabeleireiro que agora ocupa aquele salão tem um ar deveras simpático. Pensei, também, num outro - Um dia, numa dessas ruas de Lisboa que por vezes percorro, aliás: nem era dia, era quase noite, por isso é que vi tão nitidamente que dentro de um salão um homem vestido de preto (cor comum na indumentária dos cabeleireiros, não sei se já alguém reparou) aparava a cabeleira de uma mulher. Pareceu-me simpático, também. Obviamente isto de eu percepcionar simpatia por parte de pessoas só porque lhes observo os gestos mecânicos pode não ser certeiro, afinal o homem estava a trabalhar, como emanar simpatia com uma tesoura na mão? Mas cortar o cabelo não dói... Será que sou simpática enquanto retiro pedaços de metal a uma chave com uma frese que só não corta pescoços porque não é preciso e ninguém quer isso para si? Não sei. Bom, então. Entretanto, resistindo ao ímpeto de entrar, o que aconteceu é que nunca mais vi o homem dentro do salão. É que nem sem estar de tesoura na mão, quanto mais.

Dia 6, dezanove de Janeiro
Isto de eu andar à procura de um cabeleireiro diferente está a acontecer por via de questões que, não sendo impublicáveis, são somenos. Ou seja: não quero gastar o tempo que dedico à escrita com essas questões, registo apenas que decidi mudar porque me decepcionei com a cabeleireira que frequentei no último ano.
Ora bem, onde é que eu ia...? Já expus tantas coisas que não malembra o que mais falta... Ah, já sei!
Durante este processo de apuramento e consequente escolha andei a bisbilhotar outro género de salões, os de bairro, os típicos, aqueles que têm lá dentro uma cabeleireira com um corte radical ou, no mínimo, estranho, ou um cabelão com madeixas amarelas. Ou vermelhas. Ou o cabelo alisado à força de calor. Enfim, logo ao início disse tudo, um salão de cabeleireiro sem pretensões a tratamento VIP e outras merdices. Espreitei vários, como já disse. Por vezes ia por aí e avistando um desses logo me lembrava, ulha! Avagava o passo. Aspirava o ar. Espreitava de soslaio. Recebia vibrações. Fui eliminando um e outro, restando poucos. Pouquíssimos – três, precisamente.
Um tem uma boa energia, vejo o movimento lá dentro, o modo como se encara as clientes.
Um tem uma cabeleireira simpática, vejo-a lá dentro e cá fora, sorri e fala destemidamente.
Um tem uma mulher com uma aparência singular. O cabelo é comprido, grisalho e não forçadamente esticado. É natural, pronto. Já a vi despedindo-se de clientes e tem um ar leve e despretensioso.
Este último seria uma boa aposta, não duvido que seria bem recebida e tratada convenientemente. Mas, por sugestão de Mr. Google mediante as minhas buscas, aterrei na página do tal salão que quero experimentar. Observando os comentários e o

Dia 7, quatro de Fevereiro
Ena, tantos dias que há que não ponho coisinhazinhas neste post. Reparei agora que terminei o parágrafo acima abruptamente, pois paciência, quiçá algum cliente me interrompeu. Ao momento tenho o cabelo já bastante crescido, no outro dia até sonhei que o tinha mais comprido do lado esquerdo. Não é mentira de todo, até tenho, só que no sonho a diferença era gritante e, na vida, nota-se uma beca, vá. É daquelas coisas, se eu não chamar a atenção para isso, ninguém me vem dizer que o cabelo está desfasado, mesmo notando.

Dia 8, sete de Fevereiro
Na última entrada deste longo registo já não tive tempo para dizer que quando publicar no blogue tenho que colocar um link para o sonho. O mais engraçado é que à data corrente o dito sonho ainda não figura no blogue, contudo, e obviamente, conto tê-lo já a postos de link aquando desta mesma publicação.
Bom, continuando a descrever esta saga. Ultimamente tem-me dado uma certa vontade de me decidir mas é por aquela cabeleireira dos longos cabelos brancos, acho-a peculiar, há algo nela de confiável. Por outro lado gostava muito de experimentar outro género de salão, embora saiba que sou meio que à parte no que toca ao tipo de frequentador habitual de lugares assim. Depois há todo um rol de questões, como a novidade, o desconhecimento, a dúvida. A novidade mora no profissional, na pessoa em si. O desconhecimento assenta no facto de não ser conhecida por essa pessoa. A dúvida está sobretudo nisto: explicarei bem o que pretendo?

Dia 9, onze de Fevereiro
E pronto, está efectivado o lavar, o cortar e o secar! Estou contente, digo, para já, que «estou pois!»

Dia 10, doze de Fevereiro
Ai pá, na entrada anterior acabei por não escrever praticamente nada. Entretanto tenho tantas coisas para contar que tenho dúvidas que as consiga deixar todas neste dia. Até tenho dúvidas que as consiga deixar todas, uma vez que já passaram dias e a memória esfuma-se. Enfim. Mas jogo-me já. No dia oito de Fevereiro, uma terça-feira, um dia em que palmilhei Lisboa (vinte e quatro mil e não sei quantos passos dei eu!) estipulei que num dos percursos passaria novamente pelo salão especial, o escolhido, e entraria, desse por onde desse. Tinha era que arranjar coragem, principalmente porque o cabelo estava já numa figura desgraçada. Mas não estava lá ninguém, e a passagem deu-se em duas vezes nesse dia. Fiquei desolada, oh porra, eu que ia tão cheia de coisas como coragem e saber. Bom, na segunda desilusão lembrei-me da cabeleireira de longos cabelos brancos, pensando: se ela estiver lá, entro, falo e marco. E estava.

Dia 11, treze de Fevereiro
Continuando:
E lá estava a grisalha senhora. Mas ocupada, pincel numa mão, pente de cabo fino na outra. Aplicava tinta na cabeleira de uma cliente. Falavam. Desisti. Ia lá agora interromper o trabalho e, ainda por cima, a conversa das duas... Não. No dia seguinte dediquei-me a encontrar coragem para entrar no salão eleito (o tal especial, que sai fora do costume e mais não sei o quê), isto em a porta estando aberta e, ou, com alguém lá dentro. E estava. Estavam, quero eu dizer, pois tanto estava a porta encostada, como estava alguém lá dentro. A tal menina de cabelo apanhado. E desocupada. Abri a porta, cumprimentei-a, retribuiu, expus que queria cortar o cabelo, perguntou o que pretendia, expliquei. Queria parecer confiante e consistente, o que é um erro - não tenho nada que querer parecer seja lá o que for, tenho é que ser. Obviamente não serei porra nenhuma sem antes o ter querido, mas o melhor é ser e não querer parecer. Bom, expliquei então que queria mudar de corte de cabelo, inclusivamente passar a usar risco ao meio, que dispenso o secar do cabelo porque não gosto do secador e tal e tal. Marcámos para daí a dois dias. Fiquei toda contente. No caminho de regresso ia passando em revista o que dissera e o que ouvira, duvidando de mim e dela. Duvidando de tudo. Duvidando, pronto.
No dia acordado encaminhei-me, chegando três minutos antes da hora. É questão comum em mim, revela ansiedade. A cliente que me precedia fazia o seu pagamento e despediu-se da gente as duas com um «bom fim de semana» porque era sexta-feira. A propósito, hoje é domingo. Neste diário não tenho posto os dias da semana e agora lamento. Gosto pra caraças desses preciosismos. Passámos à ação. Cabelo lavado, hora do corte – tric-tric; tric-tric. A cabeleireira... Tenho que lhe arranjar um nome... Dominique fica-lhe bem. A Dominique foi cortando e tal e tal e durante o processo fui contando - como quem lembra em voz alta – que por alturas da minha adolescência este era o corte da moda, que tenho uma foto de mim com o cabelo assim. Pronto, o secador. Caraças. Ora bem, não lhe pude fugir, sob pena de o creme de caracóis não surtir qualquer efeito. Espantei-me, não sabia que podia usar creme de caracóis. Ou seja, a pessoa pode usar o que quiser, ok, mas pensei que não fosse indicado, ou até fosse creme para não cumprir com nada num cabelo como o meu, que é mais liso do que outra coisa. Ela então explicou que o meu cabelo não é realmente liso, tem textura, por isso recebe efeito de um creme deste género. Depois secou o cabelo, não sem antes me pedir que lhe dissesse o que realmente não gosto no secador, se é o barulho, se é a temperatura, se é o quê. Expus então a minha questão o mais assertivamente que consegui. Não é assim tão difícil ser assertiva quando no interlocutor não lampeja nem um pouco de censura. E a questão é que:
não gosto da aparência de 'cabelo arranjado'
não gosto do puxar do cabelo para o esticar
não gosto da temperatura
E também disse que não gosto do barulho, mas aqui foi mais em surdina. Agora que escrevo isto e que já passaram uns dias, percebo que talvez seja o fulcro, isto do barulho, se foi aqui que me senti enfiada em mim, falando em surdina. Então ela

Dia 12, dezasseis de Fevereiro
Passaram três dias desde a última entrada. Enfim, vai aos bochechos. Vai como for e pronto.
Seguidamente a Dominique anunciou que ia secar-me o cabelo mas com difusor, e o verbo é esse, anunciar, nada de pedir, lembrar. Não. Anunciar é que é. E eu que sim, numa mistura de resignação (ok, eu aguento) com curiosidade (como será que fico...?). Foi difícil, não vou armar-me de uma valentia rebuscada, e ficou-me o cabelo engraçado, lá isso. Agradou-me o resultado final, o corte e a textura do cabelo. Saí satisfeita de lá. Fiz foto e vídeo do depois, junto ao muro de pedra, e já havia feito foto e vídeo do antes, no mesmo lugar.
De momento não sei o que dizer mais. Posso adiantar que ninguém reparou na diferença que mostro ao mundo há alguns dias, o que me leva a crer que afinal não estou assim tão diferente. Há muitos anos que não tinha risco ao meio. Muitos. Trinta. Tenho por ora uma cabeleira como tinha quando casei, comprido na nuca, curto nas laterais. Ando a escrever este texto há tanto tempo que já nem sei se estará algures aqui metido qual o corte que queria fazer... Termino estes 'dias de uma grafómana' por aqui, estou a sentir que já não arranjo novidades acerca deste tema. Ah, só mais uma coisinhazinha: em cada dia que dei entrada neste texto, não me pus a reler o que já cá constava, de maneiras que é bem capaz de haver itens e, ou, ideias repetidas. Este aviso é sobretudo para ti, ó Gina do futuro. E sim, vou reler esta merdice toda antes de publicá-la. Até já.

Dia 13, vinte e um de Fevereiro
Olá. Pensei que já não voltava mas, como tenho demorado a publicação, venho. No dia acima, depois de expor o que queria, fui ler tudinho. Emendei gralhas, alterei umas construções, mas coisa pouca. Agora sinto-me meio que estranha por ter um post velho e novo em simultâneo. Enfim, cenas de «Gina, a mulher que tem um blogue»> (isto é uma brincadeira com o título deste post, pois, se repito o título do próprio blogue, porque não terminar com o título de um outro blogue que tive e que, bem vistas as coisas, também me define, né? Poi zé.

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