quarta-feira, 24 de abril de 2019

L' important c'est le rouge


Este post era para se chamar 'Xises' mas depois achei que o vermelho importa mais.

3 comentários:

  1. Blaise Cendrars, o longo poema (procura, se não o leste ainda, vais adorar, é uma locomotiva, como tu :)*

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    1. Obrigada. Não conheço e vou já pesquisar :)*

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    2. Encontrei e aqui deixo, para memória em futuro que não se sabe:


      EU VI

      Eu vi
      Vi os comboios silenciosos os comboios negros que
      vinham do Extremo-Oriente e que passavam como
      fantasmas
      E o meu olhar, como a lanterna da retaguarda, corre
      ainda atrás desses comboios
      Em Talga 100 000 feridos agonizavam por falta
      de cuidados
      Visitei os hospitais de Krasnõiarsk
      E em Khi!ok cruzámos com um longo comboio de
      soldados loucos
      Vi nos lazaretos chagas abertas feridas que
      sangravam a jorros.

      E os membros amputados dançavam em volta
      ou levantavam voo no ar roufenho
      O incêndio estava em todos os rostos em todos
      os corações
      Dedos idiotas tamborilavam em todos os vidros
      E sob a pressão do medo os olhares rebentavam
      como abcessos
      Em todas as estações deitavam fogo aos vagões

      E vi
      Vi comboios de 60 locomotivas que se escapavam
      a todo o vapor perseguidas pelos horizontes
      com cio e bandos de corvos que voavam
      desesperadamente atrás,
      Desaparecer
      Na direcção de Porto-Artur.

      Em Tchita tivemos alguns dias de descanso
      Paragem de cinco dias devido a obstáculos da linha
      Passámo-los em casa do Senhor lankéléwitch, que
      queria dar-me em casamento a sua filha única.
      Depois o comboio tornou a partir.
      Agora era eu que me sentara ao piano e tinha dores
      de dentes
      Revejo quando quero esse interior calmo a loja do pai
      e os olhos da filha que vinha à noite para a minha cama
      Moussorgsky

      E os lieder de Hugo Wolf
      E as areias do Gobi
      E em Khaïlar uma caravana de camelos brancos
      Creio bem que estive bêbedo durante mais de
      500 quilómetros
      Mas eu estava ao piano e foi tudo quanto vi
      Quando se viaja deviam-se fechar os olhos
      Dormir
      Gostaria tanto de dormir
      Reconheço todos os países de olhos fechados pelo
      seu odor
      E reconheço todos os comboios pelo barulho que
      fazem
      Os comboios da Europa são a quatro tempos enquanto
      os da Ásia são a cinco ou a sete
      Outros seguem em surdina são canções de embalar
      E há os que no ruído monótono das rodas me lembram
      a prosa pesada de Maeterlinck
      Decifrei todos os textos confusos das rodas e reuni
      os elementos dispersos duma violenta beleza
      Que eu possuo
      E me força.

      Tsitsika e Kharbine
      Não vou mais longe
      É a última estação
      Desembarquei em Kharbine quando acabavam
      de deitar fogo às instalações da Cruz Vermelha.

      Ó Paris
      Grande lareira ardente com os tições entrecruzados
      das tuas ruas e velhas casas que se debruçam
      por cima e se aquecem
      Como os avós
      E eis os anúncios, vermelho, verde, multicolores como
      o meu passado em resumo amarelo
      Amarela a cor altiva dos romances da França
      no estrangeiro.
      Nas grandes cidades gosto de me meter nos
      autocarros em andamento
      Os da linha Saint-Germain-Montmartre levam-me
      ao assalto da Butte
      Os motores mugem como touros de ouro
      As vacas do crepúsculo pastam o Sacré-Coeur
      Ó Paris
      Estação central cais das vontades cruzamento das
      inquietações
      Só os droguistas têm ainda um pouco de luz por cima
      das portas
      A Companhia Internacional das Carruagem-Camas
      e dos Grandes Expressos Europeus enviou-me
      um prospecto
      É a mais bela igreja do mundo
      Tenho amigos que me rodeiam como barreiras
      Têm medo quando eu parto que nunca mais volte

      Todas as mulheres que conheci erguem-se
      nos horizontes
      Com gestos lastimosos e olhares tristes de semáforos
      à chuva
      Bela, Inês, Catarina e a mãe ‘do meu filho na Itália
      E ainda a mãe do meu amor na América
      Há gritos de sirene que me rasgam a alma
      Na Manchúria um ventre estremece ainda como num
      parto
      Gostaria
      Gostaria de nunca ter feito as minhas viagens
      Esta noite um grande amor atormenta-me
      E contra a minha vontade penso na jovem Joana
      de França.
      Foi numa noite de tristeza que escrevi este poema
      em sua honra
      Joana
      A jovem prostituta
      Estou triste estou triste
      Irei ao Lapin Agile recordar-me da minha juventude
      perdida
      E beber copinhos
      Depois voltarei sozinho para casa


      Paris
      Cidade da Torre única da enorme Forca e da Roda
      do Suplício
      Paris, 1913


      https://sylviabeirute.blogspot.com/2011/01/blaise-cendrars-poema-eu-vi.html

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