domingo, 20 de dezembro de 2020

Dialogantes

Na última entrada conversei abertamente com a menina, principalmente porque ela se me mostrou disponível. Tenho andado a escolher qual dos diálogos coloco no blogue, se alguns, se todos. Pá, é difícil. Bom, olhem, achei o seu raciocínio avançado quando perguntou se eu já tinha aspirado o quarto dela e, como lhe respondi que não, decidiu: 
«Então vou fazer os recortes para lá.» 
Ou seja: optou por mudar de divisão para continuar a sua brincadeira para não sujar um chão que eu acabara de limpar. A empatia é uma coisa sem idade, afinal, aprendi eu. Depois, quando cheguei ao quarto dela, contou-me da camisola ser de manga comprida e do vestido ser de manga curta e não ter frio nenhum e nem ter mais nenhuma camisola por baixo, nem das de manga à cava nem nada! Decidi, por minha vez, continuar a conversa e lembrei-me: 
«Olha, pois é! Eu também tenho uma camisola de manga comprida por baixo de uma de manga curta por cima!»
«Sim, mas a minha é mais bonita do que a tua porque é cor-de-rosa e a tua é cinzenta. E a minha tem isto que é de princesa e a tua não tem.»
O 'isto' a que se referia era o acabamento das orlas, foi-lhes aplicado um ponto miudinho, o que as tornou onduladas. Não está mal pensado que folharecos se colem à realeza, não. Argumentei que a minha camisola era 'assim' porque as mangas estavam muito compridas e cortei-lhes um bocado, por isso é que não tinham bainhas. Pode ser eu esperar em demasia ou estar iludida, mas quem sabe lhe tenha ensinado o que são bainhas e o que acontece às roupas quando lhas cortamos. Mas a história não acaba aqui. Não muito depois pôs-me ao telefone com ela, frisando que os telefones também eram de princesa. Armou-se de dois, pôs-me um na mão e instruiu-me:
«Agora clicas aqui e falas comigo.»
Obedeci e deu-se o seguinte diálogo:
«Estou? Gina? O que é que estás a fazer?»
«Eu devia estar a aspirar o teu quarto mas estou a falar contigo ao telefone.»
Fez aquele gesto de pôr a mão no bocal do telefone, não fosse alguém ouvir, abriu muito os olhos e, gritando em surdina, admoestou-me:
«Não! É a fingir que estamos noutro sítio!»
Caramba, caiu-me tudo. Como prosseguiria? Hum, inventei que estava sentada ao computador, resultando na seguinte observação:
«Ah, porque não disseste que ias estar ocupada quando falámos?»
Caíram-me mais coisas ainda, não sei como ou quais, mas caíram - empatia. Reflecti e vai de responder que não estava bem bem bem ocupada, que estava era a brincar. Corrigiu-me:
«Então estás a jogar.»
Ponderei dizer-lhe que estava a escrever. Porque não...? Essa é a minha brincadeira. Esse é o meu jogo. E chegou a hora de a menina sair de casa. Fiquei conhecedora das suas sapatilhas (é uma espécie de pronúncia do Norte que ela tem) novas, que são clarinhas mas que ainda não estão muito sujas porque as usou pouco, que o laço está sempre feito porque têm um fecho.

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