Pintaram de cinzento o muro onde aos vinte e cinco de abril de dois mil e treze escrevi uma frase 'Eu não quero viver. E tu?!' Constato agora mesmo que são duas frases e relembro que na altura era frequente substituir as vírgulas pelos pontos finais. Tiques de escrevente. Meras questões. Enormíssimas pancadas, e nos cornos. Ora isto quer então dizer que, se pintaram o muro, é porque ao momento já se não pode ler a minha frase, a frase que tão calorosamente foi sendo construída. Oh. Nesse tempo o muro era branco e a cor da tinta aplicada foi o vermelho. Mais contrastante podia ser, ah pois podia - preto no branco - mas assim já foi de bom tamanho. Deixo um dos meus longos posts e que é do tempo em que essa tinta ainda estava como que fresca.
Continuo hoje a saga do abstrato. Há dois dias encontrei este modo de me apresentar no blogue e achei-lhe piada. E achei-me piada. Desembucho as ideias em parágrafos desligados entre si, sem quebras de linha. Nominei esta saga de ‘abstrato’ para ficar bonito, pois na verdade a alma deste post incide um bocado na confusão precária. E o vocábulo ‘nominei’ também me parece bem e diferente e isso. Nominei. Nominar. É, fica mesmo bem.
Ela rabisca umas coisitas a verde, num resto de papel, como se não desse apreço ao material que usa para escrever. Depois espeta o papelinho com o importante recado nas malvas. As malvas são verdes, para não destoar da tinta.
Eu escrevo a vermelho. Assim a frio esta frase vai de encontro a feridas uterinas, isto na cabeça do leviano. O tresloucado vai pensar que estou com o chico. O poeta vai inspirar-se e produzir versos tamanhos. Eu escrevo a vermelho num muro. Escrevo um conjunto de letras. Duas frases. Uma afirma, outra questiona. Um muro onde não mora ninguém, onde ninguém vai ler. Dificilmente se descobrirá esta mensagem. Repito: o poeta vai inspirar-se e produzir versos tamanhos. Ninguém senão um letrista para atentar em mensagens.
Poder dizer ‘o meu livro’ deve ser mesmo bom. Não tenho um livro meu, se bem que essa esperança não morre, e lá estou eu a apoiar a esperança no porvir.
Quando te dizem: ‘é assim a vida, o que é que tu queres?’ é porque queres ter outra vida. Força nisso, garanto-te que a obstinação é mui necessária, é mais fácil manter o imprestável do que mudar os hábitos.
‘Nunca me esqueci de ti’, diz a canção do Rui Veloso. Pois não. Nunca. Parecem negações; coisas ruins. Mas não. Eu não quero esquecer nunca. É um desejo e um desejo tem de estar do lado bom da vida.
|Quero uma roldana, se faz favor.| |Tome lá.| |Quanto é?| É xis.| Tome lá.| |Obrigada.| |Agradeço-lhe imenso a sua ajuda.| Sério?! Qual ajuda? Ajuda? Lembrou-me o homem fedorento que está sentado no chão da avenida grande, descalço e maltrapilho, estendendo a mão para pedir dinheiro aos passeantes mas a boca pedindo ajuda.
Esteve aqui o cliente mais indeciso que conheço, aquele que faz jus ao dito ‘não fode nem sai de cima’. Quer mudar as torneiras do lavatório. Melhor dizendo: a mulher quer que ele trate da mudança das torneiras do lavatório. O homem é indeciso, como já foi referido, o que significa que, levando em conta o artigo em questão, mostrei torneiras até mais não, porquanto existe a torneira simples, porquanto existe a torneira misturadora monobloco, porquanto existe a torneira misturadora monobloco e monocomando (ai credo tanta vírgula mulher isso nem parece teu). Fim.
Esta espelunca de computador portátil onde escrevo mostra que ‘monocomando’ não está bem escrito, dá erro, aparece uma linha finamente ondulada numa cor vermelha mesmo por baixo da palavra mal escrita que é para a gente notar de imediato. ‘Mono-comando’ também não é aceite. ‘Mono comando’ é aceite. Vermelho chama a atenção. Vermelho, pois.
Estou vestida de amarelo e roxo. No tronco. O tronco à vista, não estou a falar de roupa interior, portanto. Isto da dupla de cores que ultimamente não me larga podia ter um significado grácil mas não tem. O mais que posso acrescentar é que sempre que quero digitar amarelo, digito ‘amamrelo’. Eu bem digo que não sei escrever.
Hoje não quero saber dos leitores. Ou seja: estou a escrever para mim. Não é comigo, que isso é invariável, escrever é sempre uma companhia, é que hoje as minhas frases são conversas comigo. Primeiro: construir um longo post tem um cunho solitário, acho que ninguém tem tempo para ler tudo, já para não falar da presumível falta de paciência das pessoas que se passeiam pela blogosfera. Segundo: por causa do motivo anterior dá-me jeito não pensar na partilha, pronto, ok, vá, não te esforces, não leias, deixa lá isso. - À parte mui necessário: credo mulher tanta vírgula não gaguejes tanto. - Terceiro: possuo todas as derivações do ego → egoísta; egocêntrica; ególatra. Por isso me basto.
Raiva: alguma. Contida umas vezes, reprimida outras. É escusado pensar que há muita raiva, que a dita não aparece, tampouco transparece.
No lugar da musa fazem chá para escritores. A sério, é o que diz o saquinho, espreitei enquanto esperava o meu café. Diz assim: thé des écrivains. Este lugar tem mais de musa do que eu supunha. Chá para escritores?! Hum... Não arredaria pé daqui mas não há como permanecer neste lugar e ganhar a vida em simultâneo.
Não estou vestida de amarelo e roxo. Mudei de cores mas não necessariamente para melhor.
O senhor engenheiro veio fazer um avio rápido. Logo de seguida agarra no Fiesta que deixara mal estacionado e baza. Tem uma boca bonita, este senhor engenheiro. Boca de bebé, rosada e bem desenhada. Hoje é o dia dos bebés, disseram na Radio. Também gosto do pragmatismo dele, da maneira como assimila a informação, em conjunto com a simpatia. Dá-me jeito haver clientes assim. Hoje é o dia dos bebés, disseram na Radio.
Eia, ganda maluco, a torneira de que falei acima está aplicada, contradizendo o que havia registado. Aliás, ganda maluca, que isto de ser a mulher do cliente a decidir... Pumba, já está.
Deixei cair uma caixa de fechaduras para móvel lá de cima. Catrapus no chão. Não se abriu, não deu trabalho nenhum. Era muito mais interessante a caixa ter-se aberto e rasgado ao meio ou em três partes e ter-se espalhado tudo no chão por causa de eu ser muito desajeitada e estar absorvida pela beleza do cliente. Nada disso, a minha vida é plana, nem a porra duma caixinha deito ao chão com pompa.
Telefonei ao meu colega mas atendeu-me uma senhora com sotaque. Enganei-me no número. Troquei-me. Pena não saber que algarismo(s) troquei, para passar o resto da tarde a ligar à senhora entre uma frase e outra que plantasse neste enorme post. Ia divertir-me tanto.
O padeiro é novo. Novo no lugar. O pão não é o mesmo de todos os dias, que todos os dias o pão muda, pois claro.
Ontem tirei duas fotos que o senhor Blogspot não me deixou publicar. Uma mostrava o meu almoço: ervilhas com ovo com os talheres pousados graciosamente por sobre o prato pronto a comer; outra mostrava o buraco do bolo de maçã. Ia chamar-lhes núcleos e depois ia dizer que o buraco do bolo não é um núcleo e depois ia dizer que na escola aprendi que o ovo de galinha é uma célula gigante e o núcleo é o ovo que a gente come, ou seja: a clara e a gema e depois ia dizer que há mais dois nomes na célula mas eu não me lembro quais são e depois ia dizer que não me apetece pesquisar. Ontem tirei duas fotos que o senhor Blogspot não me deixou publicar mas eu não amuei, amuo hoje, que mesmo que o bicho deixe, não estou para aí virada.
Daqui a nada parto, vou ao ginásio. Verei pessoas, não diferentes. A vida é plana. É plana, a vida de toda a gente. É por isso que as pessoas passam a vida – plana e incaracterística - a mover montanhas e a criar ondulações, num esforço enorme para sobreviver à inércia e depois não sucumbir à mutação das montanhas e à ondulação.
|2 maio 2013|
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