segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A mulher dos passos


Ora acontece que andei por aí, outra vez, mas sem dar tantos passos quanto da outra vez e apenas a volta merece exposição.


tirada a caminho da volta; #semfiltro

Tinha visto um marco de estrada, branco, com uma inscrição que era uma linha com as extremidades a fazer de seta e ali pelo meio saía uma outra linha, que curvava e que tanto saía da linha recta como logo mais se lhe ligava novamente. Imagino que esse marco simboliza uma estrada onde certamente se vai dar a algum lugar, quer se vá num ou noutro sentido, e a linha curva diz que se pode sair e voltar a entrar. Imagino, i ma gi no. Deu-me preguiça de fotografar, pensei que encontraria mais alguns marcos destes ao longo do percurso e portanto mais oportunidades haveria. Não me enganei, encontrei um, mas estava quebrado no cimo e a inscrição encontrava-se incompleta, e, no seguimento, afinal, não encontrei mais nenhum. Antes disto tinha passado por uma paragem de autocarro e pus-me a ver se descodificava os placars, quem sabe algum dos números de carreiras me daria jeito para voltar ao estaminé. Não descodifiquei. Sei lá eu daquilo, há anos que não ando de autocarro da Carris! Há anos que não andava 'migos, não an da va. Mas vamos por partes. Deixei-me de merdas e decidi que iria a pé, afinal tinha tempo, só me faz é bem andar e mais não sei o quê. Quando já tinha alcançado a via onde me encontrei com os tais marcos, lindos e alvos que só visto, avisto um autocarro que no painel dizia 'Alameda'...
Alameda...?
Não, vá lá, a sério...
Alameda?!
Oh porra pá, é que é mesmo na mosca!
Bom, não daria para apanhar esse autocarro, bem sei, estávamos ambos entre paragens. Fui andando - e o autocarro também, e cada um no seu sentido, não sei se tinha dado para perceber –, comecei a pensar que se calhar era melhor alcançar a paragem a seguir e por lá ficar, esperando o próximo. Mas, lá chegada, não me apeteceu. Continuei. Atravessei uma rotunda ao estilo industrialó-lisbôó-movimento, onde o mais dos veículos são camiões e carros de carga. Para atravessar a rotunda, num dos semáforos foi fácil, pôs-se verde para os peões e lá fui eu, atravessando uma via onde já passei montada milhares de vezes, que não se duvide disso. O semáforo a seguir é um daqueles que só pára mediante o calque no botão, e que levou um ror de tempo para mudar de cor. Comecei a ficar impaciente, cansada. Gosto de andar, e não é pouco, mas se tiver que parar muito tempo, chateia-me. Finalmente o boneco vermelho cedeu ao verde e atravessei a larga via. Notei uma outra paragem onde o tal número de autocarro pararia. Vi que tinha três ou quatro pessoas esperando. Isso, aliado ao facto de já ter passado um bom quarto de hora, indicou-me que o próximo não tardaria. Estaquei, ainda indecisa. Fui ficando. Não demorou nada de tempo até ver lá ao fundo a familiar figura amarela e no painel o bom destino. Entrei, pedi o bilhete, paguei-o, sentei-me. Na paragem a seguir, aquela onde tinha indagado se esperaria ou então não, um homem segurava um carrinho de bebé.
Ó chefe, chegue à frente por causa do carrinho!
Entretanto já uma mulher, quiçá a mãe do bebé, tratara de confirmar que o motorista pararia mais à frente, por modo a haver espaço para lançar o degrau a que chamam piso rebaixado, ou lá que é. 
O senhor já sabe, o senhor já sabe!
Gritou ela para o homem do carrinho. Ao meu lado sentou-se uma mulher que logo lhe tocou o telemóvel.
Estou? Então foste buscar a menina? Ela está melhor? Pois, tem que tomar o antibiótico até o fim, senão volta tudo. Hã? Estou no autocarro, vou ao Líder (eu traduzo: é aquele supermercado com dois éles em seu nome, um no início, outro no fim). Quando saísse de lá ia-te ligar.
Bom, pelos vistos já não seria preciso...
A mulher saiu e, como companheira de assento, o acaso deu-me uma rapariga. Digo rapariga porque também esta falou ao telemóvel e notei-lhe a voz muito jovem. Era com a mãe que falava, desesperando por causa da indecisão sobre em que ponto de Lisboa se encontrariam.
Mas disseste que era na Alameda e agora dizes que é no Campo Grande! Afinal onde é que a gente se encontra?
Estava rouca, a voz falhou em vários pontos. Fungava. Pigarreava. Quando achei que estava no lugar da minha saída pedi licença  e ela respondeu em vozinha.
Eu também vou sair.
O tom era triste. Tão triste. Não cheguei a ver-lhe a expressão, não quis defrontar uma tristeza que não é a minha. Saí e dirigi-me para o estaminé, que não preciso defrontar. Às tantas era enfado, digo a tristeza da miúda, eu é que ponho tristeza em pessoas e situações. E coisas. Ora então muito boa noite.

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