O senhor Amâncio é o primeiro viúvo, ainda jovem para viúvo, com quem tenho convivido de perto, que até aqui nunca tinha conhecido nenhum viúvo ilógico face à normalidade, que uma pessoa enviuva sim senhores, tudo bem, mas isso acontece normalmente quando se é velhinho, velhinho, não é. É. Então pronto, esta parte está explicada, e o que eu adoro explicar coisinhas. Ora vai que, como há no ar uma certa amizade, chega-se-me uma pena - não vou ao cúmulo de dizer que é uma espécie de pena, porque é mesmo pena - e por junto cresce-me um desejo de dar atenção ao pobrezinho. E dou. Então, estávamos nós dois a falar no outro dia, todos contentes, eu obviamente mais contente que ele, e eis que a conversa caiu sobre a comida a fazer à noite ou ao fim-de-semana, o que temos de matutar para arranjar soluções e ideias novas, o que temos de providenciar, enfim, uma catrefada de coisas a que estamos sujeitos se nos queremos alimentar e não temos quem nos prepare banquete. E eis que me dá na cabeça perguntar ao homem: ó Senhor Amâncio, é muito chato cozinhar só para uma pessoa, não é? O expressão dele mudou repentinamente, o que me fez pensar: ups!, já fiz merda... Vi-lhe as lágrimas a quererem sair dos olhos, vi-lhe o ligeiro tremor nos lábios e os gestos nervosos quando se assoou e quando passou o dedo no canto do olho que teimava em verter a lágrima. Achei melhor não me pôr com desculpas parvas e avancei para o primeiro assunto que me veio à cabeça. Falámos e falámos e ao depois é que me desculpei, aí já toda eu cheia de saber: ó senhor Amâncio, olhe que há pouco eu não queira fazê-lo lembrar-se de coisas tristes, o que eu queria era dizer o chato que é para algmas pessoas cozinhar pequenas quantidades, tanto que por vezes desistem e se viram para comida pré-feita e congelada. Desenrolei ainda todo um rol dessas desculpas assim como que sensatas e quês, porque o que eu queria mesmo era falar da situação, mas não da condição que leva alguém a essa situação. Ele desenfiou as trivialidades que a gente desenfia aquando do social: ora essa, dona Gina, eu sei, eu sei, ora... não se preocupe com isso, então, a senhora estava só a falar.
Moral da história, não lembrar as pessoas das suas condições, quando tristes e solitárias, mesmo que somente por atalhos lá vão dar. Falar do tempo? Sim, falar do tempo. Ai hoje está tanto frio, não está, senhor Amâncio? Está. E o que tem chovido? Ah pois.
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