Acordada, foi um problema lembrar-me que dia da semana é hoje. Espantou-me, principalmente quando percebi que é dia de folga – como não recordar? Não digo que tenha dormido bem, ao que parece isso é coisa para a qual já não tenho idade, mas dormi melhor do que em tantos outros dias, um a seguir ao outro e outro a seguir e afora. Estão a ver como é? Ah e tal eu dormi mal mas e depois, né, já não tenho idade e portanto: paciência. Retiro importância às minhas dores e aos meu males. Mesmo quando estou no médico, quiçá, e principalmente, aí. Por ora sou um autómato feliz. Tenho comichão nos ouvidos. Por vezes dor. Por vezes ar. Não é ar, é pressão. Por vezes buzinas. Chamam-lhes zumbidos mas parecem buzinas. Aliás: parece um buzinão. Não, é um código Morse – ti ti ti tiii, ti ti ti ti tiiiiiii. Acho que alguém me quer enviar uma mensagem. Dói-me os olhos. Um deles anda com espasmos há mais de quinze dias. Há pouco, na escada rolante do supermercado, na nesga de sol que apareceu sem que lhe pudesse fugir, fechei os olhos porque era doloroso recebê-lo. Sou fóbica, não estaciono no parque subterrâneo e a fila para pagar é um tormento. Mas sou um autómato feliz, sorrio para a senhora da caixa e até faço conversa. Em casa sou tomada pela ansiedade in extremis. Não quero estar aqui. Não gosto de estar aqui. Ponho-me a escrever. Não consigo imaginar o número de vezes que escrevi para não desalvorar. Em casa, no estaminé, na rua. São mais que muitas e muitas. Queixar-me é vão, parece-me, e refreio as queixas. Para quê, né, tanta gente morta por aí, e. Parágrafo e quebra de linha, a fazer de conta. Estou para aqui a lembrar-me se me queixo muito no blogue, já que até agora mantive o post sob esse comando. Que me queixo sei eu, presumo que mais de questões psicológicas do que físicas. Essas, quando ocorrem, dou primazia a unhas encravadas, entalões, cabeçadas, escorregadelas, quedas, e sempre dando um tom de gozo. Nas psicológicas é que por vezes me esparramo – estou tão triste, vou morrer de tristeza, não aguento isto. A propósito de não aguentar, as pessoas suicidam-se, não por não aguentarem os outros ou a própria vida. Não. As pessoas suicidam-se porque não aguentam o que grita dentro de si, a sua cabeça, o seu modo de pensar. Queria ter colocado esta ideia no blogue lá atrás, há um mês ou dois, mas não tinha coragem. Surgiu-me quando o país foi tomado de assombro perante o suicídio de um actor, que supostamente era feliz. Autómato feliz, de sorriso sincero e espontâneo. Parágrafo e quebra de linha, a fazer de conta. Sou uma pessoa sensível em demasia, o que faz com que as pessoas não saibam lidar comigo e desistam. Pode ocorrer desistir eu primeiro, também não sei nada sobre lidação interpessoal. Umas das questões mais marcantes da minha vida foi a frequência de consultas de psicologia, que aconteceram semanalmente durante nove meses, com interregnos para férias. Marió não escolheu o melhor modo de lidar comigo, e quem desistiu fui eu. Estas melhoras, as da psique, é um caminho a fazer sobretudo sozinha, o que é duro, mas, e precisamente por isso, libertador, já que não dependo de ninguém. Isso aprendi eu com Marió. E aprendi mais: eu não tenho um problema, eu sou o! problema, eu é que o acolhi, eu é que o deixei ficar. Parágrafo e quebra de linha, a fazer de conta. Recentemente percebi que não são as coisas boas que me fazem feliz. Não é nem sol, nem chuva, nem mar ou praia, nem chilrear, bichos, flores, mato. Não. É que nem escrever (ah! como não?! Gina Maria, tu sabes o que estás a dizer?! … sei! …). Nada disso. Sou eu. Eu é que me faço feliz. Portanto, e concomitantemente, eu sou o! problema, eu é que me! faço feliz. Esta descoberta foi, por si só, retemperante, e eis então outra epifania acontecendo na minha vida. Passei anos a chicotear-me com a obrigação de ser feliz, a passar por cima do que me fazia infeliz, se não dava para passar por cima, passava por baixo, ao lado, anulava-me, e adoeci. Parágrafo e quebra de linha, a fazer de conta. No IP7, ao quilómetro sei lá eu, há uma frase que diz: 'você há-de ser sempre a mesma merda'. Sempre a que a noto, e já lá vão uns bons anos, não discordo, achando que sim, hei-de ser sempre, hei-de. Porém, um destes dias, pensei diferente, eu hei-de ser sempre a mesma merda, já que, a essência, não se dá cabo dela, mas o intervalo que fica por entre o ser e o fazer por não ser, é ouro. Aurélio.
Loures, 31 de Julho de 2020
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