domingo, 1 de dezembro de 2019

Dias de um Ginásio

De maneiras que o que sou, na verdade, é descomposta no arrumar. Pronto, usei a 'descomposta' precisamente por nada ter que ver com o 'arrumar' e assim o descompor completamente. Mas talvez me chegue o 'desviada', vá, desviada do 'organizada-ser'. Se não, vejamos:
Chego ao Ginásio já meio equipada, chegou o friozinho (está mas é um frio da porra!) e há que levar o casaco de rua em cima do pêlo.
Certo.
Viajo de mota, portanto é pôr o triplo e enchumaçado casaco (casacão, mais isso) em cima do casaco. É, ainda, enfiar as estranguladoras proteções no pescoço, as calças montes de quentes, o capacete a pressionar ossos e as luvas grotescas. Sim, por esta ordem, e sim, inchei os itens com adjectivos, é bom que se perceba que vou tão grande que pareço uma saca de batatas mal-amanhada, assim como é bom que o último item seja as luvas, se com elas postas qualquer enfiar de coisa ou fechar de fecho se torna difícil, direi mesmo penoso.
Certo.
Espeto com tudo nas bagageiras que a mota tem, exceptuando o casacão e o casaco e obviamente o resto da roupinha que levo.
Certo.
Chegada ao destino, faço a comum entrada no Ginásio, falando a quem é de me falar.
Olá Gina.
Olá Patrícia.
Tudo bem?
Pois. Cá estou eu a modos que pronta para.
Ah, eu fico aqui.
Ok, então a gente já se vê.
Até já.
Certo. Mesmo muito certo.
Abordo o balneário sem palavras, que vão comer tripas, nunca ninguém responde.
Certo.
Pouso todos os meus pertences no banco corrido, abro o cacifro e procedo à arrumação. Antes de mais o casacão, logo seguido da mala, depois o saco das bolinhas (é assim que trato o depósito de gel e champô, principalmente por ser um saco e ser às bolinhas... original, bem sei).
Certo.
Até aqui tudo tipo assim para o normal, mas o que já arrumei não deixa mais espaço e a partir daqui vou ter que encafuar o que não quero deixar de fora. E encafuo, sem freio, sem pudor. Ele é mochila, ele é sapatos, ele é a toalha de banho e ele é as roupas que entretanto dispensei, por serem da rua e não do Ginásio.
Certo. Principalmente a ausência de freio e pudor.
Um dia destes notei que uma mulher da minha faixa etária me mirava com atenção, embora não estivesse especada. Aliás: sorria condescendentemente Senti-me uma miúda de uns catorze anos, rebelde e fixe. E pensei: ena, vale mesmo a pena não ser nada de especial.

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